Bettencourt tem 380 milhões de motivos para estar inseguro

Líder escondeu passivo consolidado do Sporting por "questões de segurança". Percebe-se porquê.
Não houve cadernos do relatório e contas para todos os associados. Não houve cadeiras suficientes para sentar todas as pessoas que se deslocaram ao multidesportivo de Alvalade. Não houve, durante alguns minutos, elevador para ir do piso 0 ao 3. Não houve o cuidado de verificar se os cartões para votação estavam ou não preenchidos. A assembleia-geral do Sporting teve traços de amadorismo, mas os responsáveis do clube foram profissionais na forma como abordaram tudo o que envolvesse números. Nem que fosse por omissão. "Não vou dizer aqui o passivo consolidado por questões de segurança", explicou José Eduardo Bettencourt. Compreende-se: o Sporting passou do oito ao 80 em 14 anos. Ou, de forma rigorosa, dos 6 milhões de contos (30 milhões de euros) de dívida em 1995 para os 76 milhões de contos (380 milhões de euros) em 2009.

É que, segundo o i apurou, ao passivo financeiro - acima dos 200 milhões de euros - têm de juntar-se as dívidas a fornecedores externos ou os empréstimos obrigacionistas já emitidos. Ou seja, Bettencourt conseguiu aprovar a passagem da Sporting Comércio e Serviços para a SAD e saiu com uma legitimidade reforçada para pôr em prática o projecto de restruturação financeira mas tem uma herança pesada. As fontes de receitas para tapar o buraco começam a ficar reduzidas. Neste caso específico, alegar que os rivais estão em pior situação (que estão) não atenua o problema.

Presente A favor ou contra, as conversas nos corredores ou à entrada do recinto mostravam algo inevitável: os traços de ignorância parcial ou total sobre o que realmente estava a ser sufragado.

- Então, vieste assistir ao velório?

- Não digas disparates. Então tem 90% de votos e agora cortam-lhe as pernas?

- Eu sou sócio do Sporting. Se isto passa, até o símbolo deixa de ser nosso!

- Cala-te pá... O que eu sei é que no próximo ano temos uma equipa melhor!

A transpiração dos sócios com o passar das intervenções aumentava. Cheirava-se, aliás. Já houve assembleias mais quentes, é certo, mas o bafo criado pelos 1100 presentes fazia-se sentir. Bettencourt ouviu serenamente os associados a falarem. As críticas ao momento do futebol - que foram muitas, com o actor Vítor Espadinha à cabeça - não tiveram resposta directa. Nem os reparos à falta de mística e ao (mau) trabalho na comunicação e no marketing. Nota-se que Soares Franco, ex-presidente, lidava melhor com os ambientes de assembleia-geral. Bettencourt ganha-lhe pela forma como fala ao coração dos sócios e tenta unir a "família sportinguista". Do que ninguém se apercebeu foi que, caso a assembleia--geral tivesse sido adiada por excesso de pessoas, a direcção corria o risco de cair (o relatório e contas tem de ser aprovado, estatutariamente, até ao final de Outubro e são precisos 15 dias até nova AG).

Futuro "O Sporting vai começar uma nova era", declarou Bettencourt. O presidente dos leões teve frases que não caíram bem entre alguns sócios - "O Sporting é o respeito aos sócios, o resto é SAD", por exemplo -, mas possui até mais de 74% dos sócios (a percentagem de votos favoráveis que teve) do seu lado.

"Os frutos desta decisão vão surgir já na próxima época", garante. Como? Os lisboetas vão fechar a renegociação da dívida com a banca até ao final do mês, altura em que a Sporting Comércio e Serviços já estará na SAD e os 55 milhões de Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC) serão emitidos.

No duelo Sporting contra Sporting, que Bettencourt refuta, o Sporting clube passa a ter estádio (por enquanto) e participações em sociedades. Tudo o resto é da Sporting SAD. Assim se compreende o facto de tantas pessoas falarem no medo de perder a maioria do capital social.

In Jornal I online, Por Bruno Roseiro.